terça-feira, 25 de março de 2014

Soneto do meu corpo





Soneto do teu corpo
(Moska/Leoni)
Juro beijar teu corpo sem descanso
Como quem sai sem rumo pra viagem
Vou te cruzar sem mapa nem bagagem,
Quero inventar a estrada enquanto avanço.
Beijo teus pés, me perco entre teus dedos
Luzes ao norte, pernas são estradas
Onde meus lábios correm a madrugada
Pra de manhã chegar aos teus segredos.
Como em teus bosques, bebo nos teus rios
Entre teus montes, vales escondidos
Faço fogueiras, choro, canto e danço.
Línguas de lua varrem tua nuca
Línguas de sol percorrem tuas ruas
Juro beijar teu corpo sem descanso.



A partir da letra dessa canção, é possível fazer alguns apontes: existe um caso de amor – trata-se de uma declaração; existe o Outro; um desejo; aventura; poesia e existe CORPO.

Olhando para esses elementos é possível também a constatação de que o autor fala sobre o seu desejo e admiração a um outro; Corpo-Outro. Coisa muito comum, não estranhamos: é para o outro que declaramos nosso amor, é o corpo do outro que admiramos e desejamos; é o corpo do outro que é o ideal; inclusive é esse outro quem sabe mais a respeito do nosso próprio corpo. A nós, aos nossos corpos, cabem as dores, as não-belezas, os não-ideais (ainda bem!), os desamores e desafetos.

(Re) Aprender o próprio corpo e aqui me refiro a corpo como o todo que somos - isso inclui olharmos para nós mesmos, nos escutarmos e, quem sabe, nos admirarmos, de fato - é uma aventura para poucos. Há os que preferem conferir essa  tarefa para os outros, assim, ilusoriamente, abstêm-se da responsabilidade, mas não conseguem se abster dos infortúnios que tal decisão acarreta. Como ia falando, para nos enfrentarmos, há que se ter coragem. Os caminhos são tortuosos, com espinhos, dores, lugares escuros e pouco habitados.

Aceitar confronto com; encarar com firmeza esse outro que também somos nós: o outro eu-mesmo, é um belíssimo ato de coragem no qual campos de batalha e lugares serenos, pertencem à mesma pessoa, são os dois lados de uma mesma moeda, assim como a vida e morte. Pode-se evitar a morte durante toda a vida, fugir, ter medo, não pensar sobre. Mas sabemos que um dia estaremos diante dela e, quando esse dia chegar, já não mais seremos para estar. Em outras palavras, ainda que rejeitemos ou rechacemos partes de nós mesmos, elas continuarão lá, existindo e lembrando-nos da sua existência. Somos um todo que quer ser aceito e acolhido na sua singularidade e totalidade. Sendo um, somos muitos.

Complexidade, ambiguidade e contradição pulsam nas nossas veias, ainda que vivamos sem olhar para elas, sem querer escutá-las ou dialogar com. Nossos desejos muitas vezes não estão para nossas necessidades, e nossas necessidades às vezes não estão para os nossos desejos. Isso por si só já é uma fonte de conflitos e desgostos, além de culpa. Sentimo-nos culpados por não vivermos nossos desejos e, por outro lado, por não sermos o desejo do outro. Dessa fonte, confusão, conflitos, sofrimento psíquico e orgânico.

Permitir um olhar diferente, um olhar para a totalidade do nosso ser a fim de podermos visualizar a pessoa inteira que somos e, assim, nos ampliarmos, verdadeiramente usufruir todas as nossas possibilidades,  são objetivos da terapia gestáltica. Nas palavras de Schnake (2007, P. 22), trata-se de “una verdadera mirada fenomenológica”.*

Grazielle Mônica Gueths Pansard**

*Trecho do trabalho de conclusão do Curso: CORPO E SAÚDE: Psicologia das doenças somáticas.

**Psicóloga, especializanda em Gestalt-terapia  e aluna do Curso Corpo e Saúde (2013, turma Viscerar-te).

REFERÊNCIAS:


FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: O Mini Dicionário da Língua Portuguesa. Curitiba: Positiva, 2008.


LEONI, Carlos Leoni Rodrigues Siqueira Júnior; MOSKA, Paulinho. Soneto do teu corpo. In: Moska, Paulinho. Moska Muito. Rio de Janeiro: Biscoito Fino, 2010. CD. Faixa 5.


MERLEAU-PONTY, Maurice. 1945. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1996.


MULLER-GRANZOTTO, Marcos José; MULLER-GRANZOTTO, Rosane Lorena. Clínicas Gestálticas: Sentido Étido, político e antropológico da teoria do self. São Paulo: Summus, 2012.


PERLS, F.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. 1951. Gesalt-Terapia. São Paulo: Summus, 1997.


PERLS, F. 1942. Ego, Fome e Agressão. São Paulo: Summus, 2002.


SCHNAKE, Adriana. Endermidad, sintoma y caráter: diálogos gestalticos con el cuerpo. Buenos Aires: Del Nuevo Extremo: Cuatro Vientos, 2012.


SCHANAKE, Adriana. La Voz Del Síntoma. Santiago do Chile: Editorial Cuatro Vientos, 2001.


SCHANAKE, Adriana. Los diálogos del cuerpo. Santiago do Chile: Editorial Cuatro Vientos, 1995.

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