domingo, 30 de março de 2014

Este corpo ME pertence!




Adoeço, o corpo dói, a garganta reclama, o estômago “embrulha”. Engulo um remédio pra dor. Não resolve, o desconforto aumenta e agora é dor com febre, engulo um antitérmico. Não resolve, procuro um médico, certa de que ele me dirá o que tenho! E assim passam-se os anos, chegam os filhos e continuo com a mesma insanidade de colocar o poder na mão daquele outro que nomeia o que dói em mim e lhe dou o poder de me dizer o que devo tomar para me livrar dessa dor! E assim sigo com minha história, parecida com tantas outras.

Um dia chega alguém (ainda o outro) e me pergunta: “Você já parou pra pensar o que essa doença quer te dizer?”. Como assim? O que uma doença quer me dizer?  E então essa pergunta começa a incomodar, a fazer sentido e finalmente gera um movimento de busca.

Apesar de o olhar ainda estar centrado na doença, um passo foi dado. Começo a me conectar com aquilo que dói e a questionar: o que isso quer me dizer. Porque agora? E com o tempo percebo que assustadoramente começo a “receber” respostas. Ainda com muito estranhamento, observo que as respostas mais desconcertantes, aquelas que num primeiro momento rejeito, pois “não é bem assim”, são as que continham a verdade e ainda mais: ao encontrá-las a febre baixava, a gripe cessava, o estômago melhorava e a vida fluía novamente. Adriana Schnake (2008, p. 69) nos diz que “Lo que la persona “descubre” puede – a veces – detener el proceso cuando todavía no há entrado en una fase irreversible”.1

Entretanto, hoje percebo que ainda era algo fora de mim. Era “aquilo” que doía, “a” garganta que reclamava, “a” gripe que chegava, “o” estômago que embrulhava. Não era o meu corpo, a minha garganta, a minha gripe, o meu estômago.


Y ése fue mi primer descubrimiento: las personas hablaban de su enfermedad o de lo que les había  pasado como si no fuera algo propio. Aportaban datos como si estuviéramos haciendo una investigación policial; sentían el dolor o la dificultad, pero sólo querían verse libres de aquello.  (Schnake, 2008, p.5) 2



E ainda com essa forma, mas intuindo ser por ali o caminho, cheguei ao curso Corpo e Saúde – Psicologia das Doenças Somáticas, olhando aquele corpo desenhado no chão sem reconhecê-lo, totalmente desconectada. Falando de minha cabeça como “a” cabeça. E como foi mágico e acolhedor perceber a minha cabeça integrada ao restante do corpo formando uma única pessoa, um ser completo!

E vivenciando cada encontro, sempre sob o olhar carinhoso das facilitadoras e colegas do curso, um campo de confiança e respeito mútuo foi criado e ali em segurança fui descobrindo minha nova forma, me soltando, me construindo terapeuta e percebendo que, enquanto tal, estou aqui para dar lugar e acolher o sofrimento e a vulnerabilidade do outro. 
Se como afirma Adriana Schnake (2012, p. 233) “una verdadeira cura implica una transformación, no necesariamente en un sentido místico, sino en un sentido de verdadero crecimiento, expansión y ampliación del darse cuenta”3 (grifos da autora), então posso afirmar que este curso promoveu em mim uma cura. Saio dele transformada, percebo que mudei minhas falas. Meu braço, minha cabeça, minha perna, não há nada desconectado e nada “pendurado” a meu lado. Afirmo, sob forte emoção, que este corpo ME pertence. E é este corpo que me permite estar no mundo, que abriga minha alma, meu espírito. É através dele que desejo, que existo e que sou! Respeito e sou muito grata por isso.*

Ivone Lopes** 

* Trecho do trabalho de conclusão do curso CORPO E SAÚDE: Psicologia das doenças somáticas (2013, turma Prazer-implicante)
** Acadêmica de Psicologia e aluna do Curso CORPO E SAÚDE: Psicologia das doenças somáticas.
 
Tradução:
1- "O que a pessoa "descobre" pode, às vezes, parar o processo quando ainda não está numa fase irreversível."
 2- "E esse foi meu primeiro descobrimento: as pessoas falavam de sua doença ou do que tinha acontecido com elas como se não fosse algo seu. Traziam dados como se estivessem fazendo uma investigação policial; sentiam a dor ou a dificuldade, mas só queriam se ver livres daquilo."
3- "uma verdadeira cura implica em uma transformação, não necessariamente num sentido místico, mas no sentido de um verdadeiro crescimento, expansão e ampliação do dar-se conta."
Referências bibliográficas:

DELACROIX, Jean-Marie. Encuentro com La Psicoterapia: Uma visión antropológica de la relación y el sentido de la enfermedad em la paradoja de la vida. 2. Ed. Santiago de Chile: Cuatro Vientos, 2009.

SCHNAKE, Adriana.  Los Diálogos Del Cuerpo: Um enfoque holístico de la salud y la enfermedad. 2. Ed. Santiago de Chile: Cuatro Vientos, 2008.

SCHNAKE, Adriana Nana.  Enfermedad, Síntoma y Carácter: diálogos gestálticos con el cuerpo. 1. Ed. Chile. Cuatro Vientos, 2012




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